Raça, Racismo, Etnicidade e Sexualidade

Raça, Racismo, Etnicidade e Sexualidade

 

Antuterpio Dias Pereira [1]

Resumo

Neste artigo vamos analisar, de forma breve, os conceitos de raça, racismo,  etnicidade e a  relação entre as classificações raciais e as formas de racismo que é  baseado na  ignorância. Os estereótipos imperam em uma sociedade na qual  a (in)formação é precária e falta o diálogo aberto, arejado e  transparente. Mas não é só por isso que o tema do racismo e da discriminação racial é importante para quem se preocupa com  a educação. É fundamental, também, que a elaboração dos currículos e materiais de ensino tenha em conta a diversidade de culturas e de memórias coletivas dos vários grupos étnicos que integram nossa sociedade.

 

 

Início

De  maneira clara, simples, objetiva e direta o Racismo (biológico e psicológico) é a crença errática na existência de raças biopsicológicas na espécie humana e com o agravante da apresentação de hierarquias entre elas: branca, amarela, negra e vermelha.

Uma forma mais abrangente de definição do racismo é qualquer conjunto de crenças de que diferenças (reais ou imaginárias) orgânicas e intelectuais, geneticamente transmitidas entre grupos humanos, são intrinsecamente associadas  a presença ou ausência de algumas características  ou capacidade socialmente significativas e, portanto, que tais diferenças constituem uma base legítima de distinções injustas entre grupos socialmente definidos como raças.

A própria definição de raça humana é mais elevada e complexa em termos históricos e sociológicos do que a noção biopsicológica. Assim,  temos que, raça humana, socialmente e historicamente,  abrange mais coisas e/ou um grande número de partes de uma mesma coisa. Após o grande auxílio do Genoma Humano[2], não  obtivemos a pronta aceitação e generalização de todas as suas conclusões e, ainda, devemos considerar o conceito de raça de maneira mais ampla.

No século XIX, temos a fala de Abraham Lincoln,

“ Não sou nem nunca fui favorável a algo que pudesse provocar, de qualquer forma, a igualdade social e política entre as raças branca e a negra; não sou nem nunca fui favorável à transformação de negros em eleitores ou jurados, ou a sua aceitação para cargos públicos (…).  A isso acrescentarei que existe uma diferença física entre a raça negra e a branca que segundo creio, para sempre impedirá que as duas raças vivam em condições de igualdade social e política. E, na medida em que isso não pode ocorrer, enquanto permanecerem  juntos, deve haver uma posição superior e inferior, e, tanto quanto qualquer outro homem, prefiro que a posição superior seja atribuída à raça branca.” [3]

 

Esta declaração de Lincoln  representa o racismo individual que no plano histórico e social é  um instrumento de poder, prestigio e ganho, justificado pela crença anterior (naturalização do racismo) e que objetiva, através do preconceito e da discriminação racial (formas de tratamento pessoal e social),  criar, manter e,  se possível,  aumentar privilégios para a elite, geralmente branca, em detrimento da efetivação e ampliação dos direitos das outras “raças” (etnias) sociais (principalmente dos negros).

Dos três tipos de racismo, individual, institucional e  cultural, o primeiro é o que esta mais próximo do preconceito racial e sugere uma crença na superioridade de uma raça  em relação às outras, e prega ações e comportamentos que garantem e matêem tais posições de superiores e inferiores.

O Racismo Individual é  o tipo mais comum de Racismo. É o Racismo do   cotidiano e da resistência e luta contínua e sem trégua. A injúria, a ofensa, o desprezo, o contato restrito, a falsa cordialidade, a rejeição pessoal, o asco; enfim, o (pré)conceito à primeira vista, são suas manifestações principais, ao lado da difamação, do deboche, do escárnio que se faz do negro e de sua injuriosa situação.[4]

Para ampliar o entendimento sobre racismo veja este link http://www.youtube.com/watch?v=CDY3EFUd_3w, no qual o jogador negro  “Tinga” do Cruzeiro/MG, é chamado de macaco pelos  torcedores peruanos.

Outro tipo de racismo é o Institucional, que tem dois sentidos: o primeiro, é a extensão institucional de crenças racistas individuais o que gera a criação através do emprego de instituições devidamente constituídas, a fim de manter uma vantagem racial com relação às outras “raças”. O segundo é decorrente de algumas práticas institucionais que atuam de forma a limitar, a partir de bases raciais, as escolhas, os direitos, a mobilidade e o acesso  de grupos de indivíduos a outras posições.

O terceiro tipo de racismo é o Cultural, que contém elementos do racismo individual e do institucional. Ele pode ser definido como a expressão individual e institucional da superioridade da herança cultural de uma “raça” com relação à outra.  O racismo é adequado na medida em que os fatores raciais e culturais estão muito correlacionados e constituem uma base sistemática para tratamento de inferioridade.

O Racismo brasileiro é um sistema invisível praticamente, é universal, pois dirige – se contra os negros enquanto etnia ou raça histórica, e não contra este ou aquele negro em particular[5]; é camuflado, sendo dificilmente assumido por pessoa racista publicamente e é também veemente negado, quase ninguém que considera os negros inferiores deseja ser identificado como sendo racista. Na tradição brasileira há uma condenação coletiva do racista e do Racismo e, apesar disso, até mesmo a Organização das Nações Unidas – ONU denuncia o Brasil como um país racista.[6]

Um olhar atento sobre a realidade do povo brasileiro mostra uma sociedade multirracial e pluri-étnica que faz de conta que o racismo, o preconceito e a discriminação não existam. No entanto, afloram a todo momento, ora de modo velado, ora escancarado, e estão presentes na vida diária nas mais diferentes formas  como as piadas que são contadas diariamente no trabalho, na escola, nas festas, em rodas de “amigos”, etc.

Exemplo de piadas de cunho racista

 

“O que mais brilha no negro?

As algemas….

Porque o volante do negro é pequeno?

Pra ele poder dirigir algemado….

O que é o Band Aid do negro?

Fita isolante….

O que acontece se o negro cair num monte de bosta?

Aumenta o monte…

Quando o negro é gente?

Quando batem na porta do banheiro e ele responde “tem gente”….

Quando que o negro é bonito?

Quando ele chega atrasado no trabalho e o chefe fala:  -Bonito né…”

 

Para reflexão:

Você já ouviu alguma piada racista ou homofóbica? Qual foi a sua reação?   Após a sua leitura até aqui, você teria a mesma atitude?

É preciso insistir sempre que a sociedade brasileira é preconceituosa e discriminadora em relação à sua população afro-brasileira e indígena.  Em decorrência, o modelo de educação não tem sido inclusivo, ainda quando permita a entrada de todos na escola. Todos entram, ou a maioria entra, mas nem todos saem devidamente escolarizados, aptos a enfrentar a vida como verdadeiros cidadãos. A instituição escolar precisa desenvolver programas que, reconhecendo as diferenças e respeitando-as, promovam a igualdade de oportunidades para todos, o que se traduz pela oferta de ensino de qualidade, progressista,   humanista e multicultural.

Para os estudiosos das relações raciais no Brasil, a vertente cultural do  racismo é a mais visível. Ela  aparece quando as realizações do negro são inteiramente ignoradas na educação. Estamos diante do racismo cultural quando a expressão de diferenças culturais não é premiada ou é  interpretada de maneira negativa, não apenas, os negros, mas todas as minorias étnicas foram vítimas do mito das  “Três   raças”.  Mito este, no qual  a religião, a filosofia, a política, a economia, a moralidade, a ciência, a medicina e o direito fazem parte da  herança e da tradição branca ocidental e são considerados, sem discussão,  como as melhores do mundo e as outras “raças” (negro e o índio) contribuem com   lúdico e o exótico.

 

Preconceito Racial

 

O termo prejudice (preconceito), deriva do latim praejudicium, de prae, que significa anterior, e judicium que significa julgamento. Preconceito de forma simplista é um modo efetivo e categórico de funcionamento mental que inclui pré-julgamento rígido e julgamento errado de grupos humanos.

Para verificar se determinado julgamento pode ser considerado como preconceituoso, precisamos conseguir respostas a três perguntas fundamentais:

  1. É um julgamento prévio? Será que o julgamento foi feito antes do conhecimento dos fatos?  b) Haverá fatos que o contradigam? c) Seriam estes fatos conhecidos pela pessoa no momento em que apresentou seu julgamento?

O preconceito é um sentimento, fruto de um condicionamento cultural ou de uma deformação mental, mas sempre uma coisa pessoal, quase sempre incorrigível. Não se legisla sobre sentimentos, não se muda um hábito de pensamento ou uma convicção herdada por decreto.

 

Gênero e Sexualidade

 

Segunda  Jarid Arraes[7],  não é preciso pesquisar muito para encontrar em qualquer rede social uma enxurrada de charges e imagens que apresentam garotas negras como “vulgares” e irresponsáveis, que engravidam ainda na adolescência e não aprendem nunca a lição. Mesmo mulheres negras com um maior nível econômico elevado são vítimas da objetificação,   seja por meio de eufemismos ou discursos hostis.  A mulher negra sempre transita entre a indesejabilidade e a exotificação. Às  vezes, é considerada tão feia e nojenta que todas as partes do seu corpo são causadoras de ojeriza, mas por outras consegue se enquadrar no papel de “mulata” sensual e provocante.

A autora continua explicando que a  questão é que a  exotificação não é elogio, é objetificação.  Não há qualquer valorização ou prestígio em marcar todo um grupo de seres humanos como produtos com valores comparáveis. Isso é uma das formas mais perversas de racismo, pois está oculto e disfarçado, sendo frequentemente confundido com inclusão.

No entanto, basta um pouco de senso crítico para perceber que a preta “da cor do pecado” não é verdadeiramente aceita em sociedade. Ela  é vista como o terror das pobres donas de casa, como a sujeita sem moral, oportunista e interesseira, que destrói casamentos e faz do mundo um lugar menos limpo[8]. Essas afirmações podem soar muito fortes, mas essa é a realidade de  milhares de meninas sexualmente abusadas, que apesar de serem crianças, não encontram defesa, pois desde a mais tenra idade são consideradas provocantes e feitas exclusivamente para o sexo.

O que esses estereótipos possuem em comum é a redução da mulher negra ao seu corpo, ou seja, às supostas características intrínsecas que possuem desde sua formação genética. Por serem retratadas como mais fortes e naturalmente mais sexuais, todos os tipos de violação de direitos humanos são impostos às meninas e mulheres negras.[9]

 

Bibliografia

 

NASCIMENTO, Flávio Antonio da Silva. O Beabá do racismo contra o negro brasileiro. Rondonópolis/MT: Gráfica Print,  2010.

Takanhadri, Fábio. Brasil dos Negros é o 105º país no Ranking Mundial Social. In: Folha de São Paulo de 19/11/2005.

CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista de estudos feministas, ano 10,

sem. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11636.pdf&gt;.

OSÓRIO, R. G. Desigualdade racial e mobilidade social no Brasil: um balanço

das teorias. In: THEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a desigualdade

racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008. Disponível em:

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/Livro_desigualdadesraciais.pdf

JONES, James M. Racismo e Preconceito: São Paulo: Editora Universidade de São Paulo-SP, 1973.

 

 

[1] Antutérpio Dias Pereira é Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da  Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD, professor efetivo da Secretaria Estadual de Educação e membro do Movimento Negro de Rondonópolis. Link para o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1396065093737081

[2] O Projeto Genoma Humano (PGH) teve por objetivo o mapeamento do genoma humano, e a identificação de todos os nucleotídeos que o compõem. Consistiu num esforço mundial para se decifrar o genoma. http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Citologia2/nucleo5.php .  Acesso em 10/02/2014

[3]Abraham Lincoln, foi um político norte-americano, o  16° presidente dos Estados Unidos, posto que ocupou de 4 de março de 1861 até seu assassinato em 15 de abril de 1865, Lincoln liderou o país de forma bem-sucedida durante sua maior crise interna, a Guerra Civil Americana (1861/1865), preservando a União e abolindo a escravidão, fortalecendo o governo nacional e modernizando a economia.

[4] Sobre este assunto  estamos nos baseando para discutir esta temática em  NASCIMENTO, Flávio Antonio da Silva. O Beabá do racismo contra o negro brasileiro. Rondonópolis/MT: Gráfica Print,  2010.

[5] Vamos considerar Negro no interior deste trabalho, o somatório de homens e mulheres que se admitem como sendo pretos e/ou pardos. Conforme definição do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

[6] Takanhadri, Fábio. Brasil dos Negros é o 105º país no Ranking Mundial Social. In: Folha de São Paulo de 19/11/2005.

[7] http://revistaforum.com.br/questaodegenero/2013/11/11/mulher-negra-nem-escrava-nem-objeto/ acesso em 12/02/2014

[8] Idem, op. Cit. acesso em 12/02/2014

[9] ARRAES, Jared. http://revistaforum.com.br/questaodegenero/2013/11/11/mulher-negra-nem-escrava-nem-objeto/ acesso em 12/02/2014.